terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Capítulo 23 : Um Tritão é recompensado - Parte 1

        Não quero mais falar sobre a Lucia. Sério, só de pensar nela.... Pronto. Pensei. Agora fiquei deprimido de novo.
        Mas... Isso faz parte, né? Quem nunca passou por isso? E quem ainda vai passar precisar estar ciente de que nem tudo sai como nós planejamos. Eu gostava muito da Lucia, e ainda gosto. Mas nós nunca poderemos ter nada. Primeiro porque ela é de uma raça inimiga, segundo porque ela já tem... Um companheiro. Pra ser sincero, nem quero saber, se ela não quer mais nada comigo, eu também não.
       Semana passada, no colégio, eu, Guto e Raíque estávamos conversando perto do portão, quando uma moto estacionou. E pense numa moto FERA! Era uma turbinada da Yamaha bem pretinha. Uma beleza. O motoqueiro desceu dela e tirou o capacete. Merda. Era o carinha que pegou a Lucia na saida do bar dias atrás. Ele me lançou um olhar de deboche, e eu retribui com um de désdem.
      "Tá olhando o quê?" Perguntei mentalmente. Ele se assustou, e ficou olhando para os lados, achando que alguém tinha sussurrado aquilo no ouvido dele.
      Então, Lucia apareceu. Ela veio toda sorridente pra ele e depois olhou pra mim. Seu sorriso sumiu, mas nem olhei o resto. Virei minha cara para frente, ignorando-a. Nem ligo se ela ficou magoada. Não ligo mesmo.
      Ouvi um som de moto arrancando no asfalto.
       -Nossa, cê foi bem friozão com ela, hein? - Raíque falou/perguntou.
       -É. - Respondi.
       -Ela merece. Uma vagabunda dessas, pegando cada cara que... - Guto começou.
       -Não chama ela assim! - Eu exclamei olhando bravo pra ele.
       -Pô, ela disse que gostava de ti, depois vem com papo de que não pode, e agora tá com um cara HUMANO?Pô, desculpa aê, mas essa menina não presta não.
       Fiquei calado.  Não tava mais aguentando falar dela.
       -OK, que tal a gente... Sei lá, mudar de assunto? As provas finais tão chegando, alguém pode me ajudar? Tô perdidaço em História. - Raíque pediu.
       -Eu posso. Passa lá em casa amanhã, a gente estuda junto. - Falei. - Quer vir também, Guto?
       Olhei para Guto e vi que ele estava olhando para o celular com cara de preocupação.
       -Que é que foi? - Raíque perguntou.
       -Não sei... Minha vô me mandou uma mensagem dizendo pra eu voltar pra casa agora mesmo.
       -Quer que a gente vá contigo? - Perguntei.
       -Não, de boa, eu vou sozinho. Falou! - Ele falou, passando pelo portão e indo embora. Raíque e eu nos entreolhamos e sacudimos os ombros.

        No dia seguinte, o Guto não apareceu. O professor fez a chamada, mas ele não tinha vindo. Apesar de não ser o maior fã de aulas, ele não era de faltar muito.
       Meu grupinho e eu nos reunimos no nosso canto reservado atrás da quadra e especulamos o porquê de ele ter saido mais cedo.
       -Vai ver que ele teve uma emergência em casa, como um cano quebrado. - Norato falou.
       -E por causa disso faltou hoje? Acho que não... - Falei.
       -Ele disse que a avó dele tinha telefonado e dito pra ele ir pra casa. Quem sabe se... - Raíque falou e olhou para Samuel em seguida. Ele ficou confuso quando nós todos olhamos para ele.
        -Que foi?
        -Você que é a radio-chamada da turma. Vai lá, tenta descobrir o que houve com ele! - Eu disse. Ele revirou os olhos e depois se concentrou. Depois de um minuto vasculhando sei lá o quê na cabeça dele, Samu abriu os olhos com cara de preocupado.
         -Eu vi o Guto junto de um homem. Um cara sem camisa com um short esquisito e um chapeu. Ele estava tipo... Gritando com o cara.
          -O que isso quer dizer? - Norato perguntou.
          -Vamos ter que ir até a avó dele.  - Eu disse.

           Mais tarde, na casa do Guto, tocamos a campainha e a avó dele, sempre muito moderna e descolada, apareceu com uma garrafa de Skol na mão.
          -Meninos! Que surpresa, a que devo essa visita? Querem um gole?
          -Dona Silvia, desculpa a grosseria, mas é que... A gente realmente quer saber onde o Guto foi. - Falei.
          O sorriso dela sumiu.
           -Oh... Bom é que... Eu não acho uma boa ideia vocês...
          -Ele foi visitar o pai dele, não foi? - Samu perguntou. Todos nós olhamos para ele.
          -Ei! Olha lá, eu fico PUTA quando o Gustavo lê a minha mente! - Ela adverteu.
          "O nome do Guto é Gustavo? " Raíque perguntou mentalmente.
          "É. Esquisito, né?" Norato respondeu.
           -Dona Silvia, a gente só queria encontrá-lo. É que...
           -Olha meninos, eu sei que vocês são amigos inseparaveis, mas isso é um assunto de familia, e eu não acho que o Guto gostaria que vocês...
            Falando no diabo, o tritão aparece. Quase no mesmo segundo, uma poça de água dentro do quintal da casa dela começou a brilhar intensamente, denunciando que alguém estava chegando por Aquatransporte. Junto dele apareceu um senhor não muito velho, com a pele morena e cabelos meio cinzas, vestindo um short verde rasgado muito esquisito e um chapéu mais ainda. Ele devia ser o cara da visão do Samuel e... Nossa, ele era a cara do Guto!
            -Eu não vou repetir! Eu não volto para aquela joça nem a pau! - Guto esbravejou com ele.
            -E quem disse que você pode escolher? Você vai nem que eu te arraste! - O homem falou.
            -Pode vir! Eu tenho poderes, pai! Coisa que você nem teve coragem de...
            -PAI??!!-Nós quatro exclamamos juntos. Guto se virou, assustado.
         
             Depois de horas de explicação, ficamos sabendo que o carinha esquisito era na verdade o pai do Guto. Ele nunca gostou de falar do pai, porque ele abandonou ele e a mãe, pouco tempo antes de ela morrer. Desde sempre, Guto o odeia com todas as forças. Bom, eu também não sei como me sentiria, mas pô... Pai é pai né!
           - E agora esse bunda mole ai quer que eu volte pra Manaus e vá morar com ele e os botos. - Guto disse.
           - Epa! Esse bunda mole aqui é o seu pai, tá me ouvindo, seu merdinha?! - O cara exclamou, com raiva da insolência do Guto.
           -É, né? Meu pai que abandonou seu filho, a mulher, e pra quê? Pra viver raparigando, pegando um monte de mulher chapada e arrastar pro fundo do rio! Desculpa aê, mas não é esse estilo de vida que eu quero viver. Não mesmo! - Guto falou. Ficou um silêncio sinistro e desconfortante no ar. Nossa, as palavras do Guto machucaram até a mim. O pai dele olhou para o chão, com o maxilar trincado. Ele voltou os olhos para cima, e pude perceber que ele se esforçava pra não chorar.
          -Esse estilo de vida que você diz, eu já não conheço, Gustavo. Não sou mais tão jovem. Não faço mais isso.
           -Aham, me engana que eu gosto.  - Guto falou.
           "Guto!" Eu repreendi ele mentalmente.
           -Por favor, filho, meu ouça. - O pai dele pediu. Guto olhou para ele, com impaciência.
           -Eu não abandonei você e sua mãe para viver levianamente. Eu tive que fazer isso, porquê outras raças de seres da água estavam nos importunando, a ponto de atacar vários dos nossos. Então, tive que servir à armada do Rio Negro.
           Ficamos sérios. Ele realmente estava sendo sincero quanto a isso. Guto também ouvia com atenção.
           -Os Mulatos D'água, como todos os conhecem, apareceram do nada em nossa foz, e atacaram nossos melhores guardas botos-tritões. Os botos golfinhos resolveram ajudar, mas também foram atacados. Naquele tempo, eles estavam atrás dos muiraquitãs.
            Toquei meu muiraquitã de Rã de jade no meu pescoço.
             -Para eles eram muito preciosos, e os mulatos d'água são colecionadores doentios de tesouros. Nós conseguimos vencer a batalha e eu... Procurei por você e sua mãe depois disso, mas...
               Ele fez uma pausa. Não achei que ele fosse aguentar.
              -Soube o que houve.
              Fizemos silêncio, quando no fundo queriamos saber o que havia acontecido.
              -Minha mãe morreu de depressão, depois de sua separação. E a vovó me levou pra Manaus, na esperança que eu pudesse ser feliz. Mas quando eu descobri que era um tritão, ele veio atrás de mim, e revirou tudo de cabeça pra baixo. Tão felizes agora? - Guto perguntou. Ele saiu da sala pisando duro. Nós pensamos em segui-lo até seu quarto, mas era melhor...
              Antes que eu concluísse meu pensamento, a torneira da pia da cozinha ligou sozinha, soltando um jato de água muito forte.
              -Mas... O que é isso? - A avó do Guto se perguntou, e foi fechar a torneira, não tendo sucesso. A água já não estava limpa, estava amarronzada e escura, como se fosse água de rio. De repente, de dentro dela, um homem ( Bom, não sei ao certo se aquilo era um homem) saiu de dentro da pia, assustando todo mundo. Ele tinha a pele escura, e várias membranas e barbatanas por todo lado do corpo.
            -George!
            Sua voz era arrepiante. Ele chamou pelo pai do Guto.
            -Mandaram te buscar. - Dizendo isso, o bicho ergueu o braço, e dele saiu uma gosma verde que se esticou e grudou no braço do pai do Guto, puxando-o para a pia.
            -GUTO! GUTO!! - Raíque e Samuel gritaram juntos. Ele veio correndo, e viu seu pai sendo sequestrado. Ficou sem ação.
             -Solta ele! - Eu gritei, soltando um raio pelo dedo. O Mulato D'água pegou seu George e colocou-o na frente, fazendo-o ser atingido pelo meu raio. Ele se tremeu todo e desmaiou. Caraca, como sou burro!
             Então, o monstro pegou-o pelo pescoço e sumiu com ele de dentro da pia. Corremos até lá, e vimos que não havia nada, só um monte de água barrenta espalhada pelo chão da cozinha, sem nenhum rastro de nenhum pai.
           
           
           
       
         

2 comentários:

  1. Fiquei chocado com a avó e o pai do Guto! Realmente não é a toa q o Guto é muito descontraido. Mas em fim, ficou muito show! =D

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  2. uahsuhaushuahsas agora sei pq gito e tão relaxado

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