sábado, 11 de fevereiro de 2012

Capítulo 28 Tritões e o livro mágico Parte final

          Acho que naquele ponto, já estava exausto de tanto ser acordado por luzes ofuscantes. Dessa vez, abri os olhos normalmente, sem nenhuma luz. Assustei-me no inicio, ao perceber que estava debaixo d'água. Olhei para os lados e nenhum de meus amigos estavam lá, só o fundo azul do mar. Olhei para cima e vi que eu estava bem perto da superficie. Nadei até em cima e pus minha cabeça para o lado de fora da água. Vi apenas um enorme cruzeiro, como num daqueles panfletos de viagens muito caras que nunca vou poder pagar.
          De longe, vi que algumas pessoas olhavam para a água, mas nenhuma pareceu me ver. Então, vi alguém familiar. Aproximei-me de lá, e olhei de baixo. A borda não era tão grande, mas ainda assim era dificil de ver. Ainda bem que as ondas pareciam se agitar mais quando me aproximava, e elas me ergueram bem alto. Pude ver quem estava no barco. E na hora, me arrependi de tê-lo feito.
          Era a Lucia. Ela estava ali, olhando distraida para o pôr do sol atrás de mim. Mas não estava me olhando. Até parece que ela faria isso. Mas eu fiquei olhando pra ela, simplesmente não podia desgrudar. Ela estava muito gata com um biquini cor de rosa com uma tanguinha, mostrando seu corpo bem magro, mas bem definido. E os olhos... Pareciam dois sois poentes parados bem ali, cobertos por aquele cabelo cor de areia, tão liso e perfeito. Eu queria que ela me visse, mas... A onda me levou pra baixo. A água já estava ficando escura, e estava com uma temperatura esquisita. Percebi que a corrente foi ficando muito forte, tive que remar com a barbatana pra não ser levado. Voltei pra superficie, e vi o céu coberto por nuvens escuras, parecia um furacão em formação. No navio, ouvi gritos desesperados, barracas voando, cadeiras e mesas de plástico caindo no mar, e um alvoroço sem tamanho. Lucia se perdeu na multidão, todos a empurravam de um lugar para outro. Até que...O pior aconteceu. Alguém empurrou a Lucia até a borda do navio, e ela caiu.
           Assim que o corpo dela se jogou contra a água, foi sendo levado para o fundo. Mergulhei mais que depressa e procurei por ela. A água estava muito, mas muito escura. Tive que usar minha visão de peixe lanterna. Pisquei os olhos e uma luz verde saiu deles. Num minuto, achei ela. Nadei por debaixo de Lucia e a agarrei, levando-a para a superficie o mais rapido que pudia. Não, tive uma ideia melhor. Coloquei a cabeça dela para fora da água, e nadei rapido como um torpedo. Com certeza assim, achariamos uma praia.
           Quando eu já não podia nem mover uma escama, chegamos ao nosso destino. Uma praia não muito movimentada, mas com prédios ao longe. Coloquei ela ali, bem deitadinha na areia, o mais longe possivel da maré. Senti seu peito e vi que ela ainda estava viva. Fiz uma respiração boca a boca, e ela finalmente acordou e olhou para mim.
           -...Hãn...?.... Que...Quem... - Ela tentou falar alguma coisa, mas soou meio dificil. Eu já ia falar alguma coisa, mas ouvi vozes ao longe. Olhei para a calçada e vi um grupo de skatistas passarem por lá. Voltei pra água e me escondi atrás de uma pedra.
           -Eita! Olha lá, um cadáver! - Um deles falou.
           -Ei, man, bora chamar o salva vidas, ou alguém, isso pode ficar cabuloso. - Um deles falou. O mais alto deles saiu de perto e desceu a rampa de areia que dava pra praia. Ele tinha uma pele meio queimada de sol, cabelos meio castanhos com mechas loiras e...AAHH DIABO! Era o idiota do Davi. Que saco, até aqui ele me persegue!
            Davi chegou perto da Lucia e chamou os outros. Ele bateu de leve na bochecha dela e... Ela acordou. Nossa, que feliz! Tive vontade de me juntar a eles e ver se ela estava bem, mas... Eles não podiam me ver transformado.
             -Tá tudo bem contigo? - Ele perguntou. Lucia balançou a cabeça. Davi tirou a camisa frouxa e entregou a ela. GRRRR aquele mostrado filho de uma...
             -Obrigada. - Lucia disse.
             Aquele agradecimento fez meus pensamentos se calarem. Não simplesmente porque ela fica linda agradecendo, mas porque ela não fazia a minima ideia de que ela devia ter agradecido a mim. A mim! Ela nunca ia saber que eu tinha tirado ela da água.
              Fiquei muito bolado, realmente muito triste com aquilo. A Lucia não se importava comigo nem na realidade, nem nos contos de fadas, se é que eu ainda estava numa história. Nadei para o fundo, sem saber o que fazer. Talvez... Isso! Talvez se eu conseguisse ir até a terra! Toquei meu muiraquitã desejando ser humano, mas... Cadê meu muiraquitã? Eu não tinha um daqueles colares esquisitos como o resto do pessoal, eu não tinha colar nenhum. Aonde estava o muiraquitã? Fechei os olhos e me concentrei. Procurei por ele, com um tipo de radar de peixes. Encontrei! Não sabia ao certo onde estava, mas meus sentidos indicavam um caminho à leste daonde eu estava. Segui meus instintos, e cheguei a um lugar onde não tinham algas, nem plantas ou corais, apenas a areia branca e meio cinzenta. Vi também ossos, coisas afundadas, era horrivel. Olhei para a frente e vi uma sereia, ali, parada me observando. Ela era linda, tinha cabelos longos e escuros com mexas vermelhas e cauda de serpente marinha vermelha, além de olhos de india muito... Ah, meu Deus! Era a Maria! A irmã doida e malvada do Norato! Ela sorriu, percebendo que eu a havia reconhecido, e ergueu meu colar, com o muiraquitã de rã de jade como pingente. Tentei pegar, mas ela escondeu.
             -Me entrega isso. - Eu mandei.
             -Senão o que? - Ela perguntou.
              Eu ergui minha mão, pronto pra soltar um raio verde bem forte na cara dela mas... Não saiu nada!
             -Meus poderes...
             -Ficam fracos sem isso. - Ela disse, rindo.
             -O que você quer? - Perguntei, sem paciência e realmente irritado.
              -Só o que você tem de mais precioso... Sua voz. - Ela disse. Fiquei um minuto mudo, depois comecei a rir.
               -Como é que é? Resolveu dar uma de Bruxa do Mar agora? - Perguntei.
               -Sem a voz, nada de muiraquitã. - Ela disse, pondo as mãos nos quadris.
               -Ok, agora vai dizer que se eu não conquistar a Lucia eu vou, sei lá, morrer? - Perguntei.
               -É. - Ela disse. Aquela sereia estava mesmo testando minha paciência.
               -Me dá isso, Maria. - Eu mandei. Ela ergueu a mão e me deixou pegar, facilmente.
               -É seu. Assim como sua voz é minha.
               Assim que ela falou, fez um gesto com a mão, e senti minha boca ferver, e instintivamente a abri. Ela jogou uma espécie de geléia, e uma luz meio fluida saiu de dentro da minha boca. Era verde, e parecia bastante delicada, como se fosse uma bolha. A geleia a englobou e desapareceu no dedo da Maria.
               Abri a boca pra perguntar o que ela havia feito comigo, mas nenhum som saiu. Tentei até gritar, mas nada!
               -Trato feito! Se você não conseguir conquistar a garota, eu fico com o muiraquitã e você... Aproveita a vista do casalzinho apaixonado. Aliás - Ela disse, se aproximando de mim - Tristeza também mata, sabia? Hahahaha....
               Ela me deu um empurro e me fez subir tão rapido como um jato militar, e fui parar bem perto da praia. Nadei até a praia, toquei meu muiraquitã e me transformei em humano.
               Então, era isso! Eu estou dentro da história de sereias mais famosa de todas, a Pequena Sereia! Então, só tenho que fazer a Lucia se apaixonar por mim! Mas... No filme a bruxa do mar não se transformava em mulher? Será que a Maria se transformou no Davi?! Nossa, isso seria muito estranho!
                Fui andando pela calçada, na esperança de que ela estivesse ali. E, pra minha sorte, estava. Acabei esbarrando com ela, derrubando a bolsa. Eu falei um "Desculpa" mas não saiu nenhuma voz.
               -Ai, desculpa, não quis... - Ela disse, e me olhou. Até ali, ela estava linda, como sempre esteve. - Eu te conheço de algum lugar?
               Eu não sabia o que falar. Quer dizer, o que não dizer. Apenas sacudi os ombros. Ela riu e perguntou se eu era mudo. Eu afirmei com a cabeça e toquei meu ouvido com o dedo.
               -Ah, é mudo mas não é surdo... Raridade, né? Sabe, eu tinha uma amiga que vivia dizendo que...
               Eu e ela fomos conversando( quer dizer, ela foi falando e eu ouvindo) até o cair da tarde. Toda vez que eu queria dizer alguma coisa, lembrava que não podia falar. Era frustrante! Tanta coisa que eu queria dizer a ela! Quando já deviam ser umas cinco horas da tarde, ela olhou relógio.
              -Nossa, já são cinco horas! Te deixei aqui me ouvindo, sou muito chata! - Ela disse. Ah, se ela soubesse que eu poderia ouvi-la por horas e nunca ma cansaria! - Aonde é sua casa? Quer que eu... Ah, lá vem meu namorado. Oi, amor!
             Senti uma bomba sendo jogada sobre mim. Ela tinha namorado? Aqui também? Nem aqui eu teria uma chance remota com ela? Olhei para onde ela estava olhando e... Porra, aquilo só podia ser brincadeira! Ela namorava o Davi! Logo ele, a pessoa que eu menos gosto no mundo? Ele chegou perto dela e olhou estranho pra mim.
             -Ah, eu conheci esse cara hoje, ele é super gente boa. Não deu pra saber o nome dele, ele é mudo, sabe? - Ela disse. Davi sorriu torto para mim, obviamente não se lembrando quem eu era. Ele apertou minha mão com muita força, e eu retribui o favor. Ele trincou o maxilar, sentindo minha força de tritão, mas ainda assim sorriu.
            -Me dá licença, err... Cara? Eu volto já com a minha gata. - Ele disse, pegando Lucia pela mão e levando-a para longe de mim. Ouvi tudo com dificuldade. Ela perguntou o que houve, e ele começou a falar um monte de coisas que não entendi. No fim, ele se ajoelhou e tirou uma caixinha vermelha do bolso. Abriu, e tinha um anel dourado dentro. Ele falou alguma coisa bem baixa, mas que terminou com "comigo".
            Lucia parecia mais que feliz. Parecia sem palavras, pulava e erguia as mãos para o alto sem acreditar no que via. Ela pegou o anel e colocou no dedo, voando no pescoço do Davi. Não consegui assistir mais aquilo. Sai de fininho, voltando pra praia.
             Não era assim que a história da Pequena Sereia acabava! Ela não... Espera... Será que... Era assim que acabava?
             -Pedro?
              Olhei para o lado, na água, e vi Samuel parado, a me observar. Corri até ele.
              "Onde tá teu muiraquitã?" Perguntei mentalmente.
               -Minha irmã levou. - Norato respondeu, aparecendo à minha esquerda.
               -Ela disse que assim, nos ajudaria a te salvar. - Raíque disse, aparecendo sentado numa pedra atrás de mim.
               -Tu sabe como a história acaba, Pedro? - Guto perguntou, aparecendo sentado na areia ao meu lado. Pensei, pensei de novo e...
               "Não."
               -Ela morre. - Samuel falou. Senti meu estômago embrulhar. - A Pequena Sereia morre no fim. Ela não consegue se casar com o principe e vira espuma do mar.
                Ficou um silêncio sinistro entre nós. Eu não sabia o que fazer. Era isso? Eu ia morrer?
                Quer dizer, eu já estava morrendo. Meu peito doia tanto, mas doia mesmo, doia de vontade, vontade de correr e abraçar Lucia, vontade de beijá-la, vontade de fazê-la feliz... Mas eu não podia. Senti-me um emo, senti minha masculinidade indo por água abaixo, mas comecei a chorar. Não consegui me controlar. Eu nunca sofri assim tanto por ninguém. Eu nunca tinha ficado com ninguém, e sempre tinha umas paixonites, e encarava os foras numa boa. Mas esse é um caso sério... Não sabia o que tinha errado comigo.
                 Senti as mãos de meus amigos nas minhas costas, me confortando.
                 -Você pode viver. Pode ficar sem sofrer pro resto da vida. - Guto falou. Olhei para ele, querendo saber como. - É só matar ela.
                   Arregalei os olhos. Sacudi a cabeça. Claro que eu não faria isso.
                  -Ou ela ou você. - Samuel falou.
                  Olhei para os meus amigos e para Lucia. Ela ainda estava abraçada com Davi e... Se beijaram. E ela parecia não se arrepender de tê-lo beijado, como fez comigo. E isso fez a dor em meu peito doer ainda mais.
                   Como ela podia não me amar? Eu fiz tudo por essa idiota! Por que ela não me amava? Por que?! Ergui minha mão, sentindo um raio passar por debaixo da minha pele, pronto pra ser jogado em cima dos dois, deles, que estavam acabando comigo. Eles que mereciam sofrer.
                    Então, percebi que não. Eles não fizeram nada errado comigo. Eu que estava me matando! Eu que estava sofrendo por uma menina que nunca seria minha. E era eu quem queria morrer. Eu amava Lucia. Ainda amo. E não quero vê-la sofrer. Só quero vê-la sorrir, mesmo que não seja comigo.
                     Virei de costas para ela, e fui até a água.
                      -O que tá fazendo? - Samuel perguntou.
                      -Pedro? - Guto perguntou, nervoso.
                       Não respondi. Entrei no mar, sentindo as ondas baterem em meu corpo. Não me transformei em tritão. Não precisava. Não queria.
                       -Pedro! Não!- Norato gritou.
                       -Pedroo!! Voltaaa!! - Raíque gritou, desesperado.
                       "Adeus, amigos." Foi a ultima coisa que pensei. Eu precisava acabar a história, e acabei. Senti meu corpo todo se dissolvendo em espumas e....

                     

                         -Acoorda!!
                         Senti milhares de travesseiros sendo jogados na minha cara. Respirei confuso, não entendendo.
                         Abri os olhos e vi meus quatro melhores amigos, jogando travesseiros na minha cara. Estávamos na casa do Carlos, novo namorado da minha mãe, mais especificamente, na sala, onde nós dormimos aquela noite. Olhei confuso para o redor de mim.
                         O livro! Onde estava?
                         -Cadê o livro? - Perguntei.
                         -Livro? - Raíque e Samuel perguntaram juntos.
                         -Ah, acho que ele quer dizer o livro de receitas. Eu vou fazer omelete com panquecas, cambada! Todo mundo pra cozinha! - Guto disse, erguendo-se.
                         -Pff, até parece que tu sabe conzinhar! - Norato falou. Os outros começaram a rir e resmungar.
                          Então... Foi tudo um sonho? As histórias? Os lugares? O livro?
                          Ah, que importa, pensei.
                           Levantei-me e fui para a cozinha, junto de meus amigos, que me ajudam a cada dia e hora a melhorar e divertir minha história.
                   
           
   

             

2 comentários:

  1. Sensacional!!!!!!!!!! Senti até a dor de Pedro! Show!!!!! Vc sabe mesmo surpreender hein Pedro?! Mas em finm.... Adorei. =D

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