quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Capítulo 36- Os tritões e as sereias- Parte 01

     
           Nossa, eu realmente precisava relaxar.
       
           Tinha acabado de sair da prova de Física, a pior de todas, simplesmente a mais deplorável, mais odiada, filha de uma... Enfim, fui péssimo.
           Até pensei em pedir cola pro Samuel, mas lembrei que ele estuda no terceiro ano. Merda, eu realmente precisava passar naquilo. Mas não seria honesto usar magia de tritão ou qualquer coisa assim pra me safar da recuperação.O Guto com certeza nem ligava pra isso, qualquer coisa ele cantava uma musiquinha no ouvido da professora e fazia ela mudar a nota. Bicho safado...

            Então, depois da prova, nós cinco nos reunimos no nosso esconderijo atrás da quadra e falamos da prova. Para o nosso espanto, não fora só eu que me dera mal, o Samu também achou a prova daquele dia uma bosta. E olha que ele é o número um da turma dele! Deve ser porque é uma série mais avançada, tem conteúdos mais pesados. Só de pensar nisso me dá um nó na garganta.
             Depois de ir pra casa e tirar um cochilo, avisei à minha mãe que iria sair. Ela estava ocupada pintando as unhas e rindo à beça com a manicure, então acho que nem se importou.
           
             Em menos de uma hora, estava nadando com meus amigos nas águas da beira mar, nadando perto do espigão, um grande píer na praia da Beira Mar, mas tomando cuidado pra que ninguém visse nossas caudas.
             -A praia tá movimentada hoje, hein? - Samuel comentou, enquanto nós olhávamos para a praia escondidos na ponta do espigão.
             -Olha só, os caras pegando onda! Bem que a gente podia ir lá, né? - Raíque perguntou.
             -Ah, e tu sabe surfar, preto véi? - Guto perguntou.
             -Bah, ora se não! Eu vivia pegando onda quando era moleque, claro, antes de descobrir que era tritão, ai passei uns meses sem ir pro mar. Pra falar a verdade eu quase nem saia de casa. - Raíque falou, me surpreendendo.
             -Ai o seu pai conseguiu o seu muiraquitã de peixe leão, não foi? - Norato perguntou.
             -É, foi... De cara eu vi o colar e achei maneiro, ai quando coloquei e fui tomar banho, percebi que ainda tinha pernas, foi a maior alegria da minha vida, vocês não tem noção! - Raíque falou.
             -Ah, temos sim... - Eu falei, olhando para Guto, Samuel e Norato. Nós conseguimos os muiraquitãs  quando conhecemos o Samuel, e tivemos que arrancá-los das garras de uma tribo enorme de Filhos de Kraken, uma loucura.
              -E agora a gente tem o poder máximo dos muiraquitãs! Cara, não sei vocês, mas eu amo ser tritão... - Norato falou, deitando na água e serpenteando a cauda entre as ondas que batiam nas pedras onde estávamos sentados.
               -Pois somos dois! Não trocaria isso por nada! Adoro chegar na balada e ser o sucesso da mulherada. - Guto falou, e foi articulando seus músculos e ajeitando os cabelos, como sempre se achando o gostosão.
                -Somos três. Eu também acho incrivel fazer parte da mitologia, ser uma criatura com um contato tão intrínseco com a natureza... - Samuel falou. Ficamos olhando confusos pra ele, até que ele sacudiu a cabeça e sorriu - Ah, eu também amo essa porra, cara!
                 Nós todos rimos.
                 -Não precisa nem dizer, né? Somos cinco, vei, ser tritão é ter aventura como cotidiano! Eu amo muito tudo isso! Amo essa adrenalina! - Raíque falou, dando um pulo grande na água e fazendo um redemoinho onde Norato estava.
                 -É... Verdade. - Eu falei.
                 Norato e Raíque pararam de nadar e Guto e Samuel me olharam como se esperassem alguma coisa.
                 -E aê, Pedrão? - Raíque perguntou.
                 -Você gosta de ser tritão? - Samuel perguntou.
                 -É... É... Até que sim. - Falei. Bom, eu não menti, disso tenho certeza.
                 -"Até que sim"? Que resposta mais abaitolada é essa? - Guto perguntou.
                 -Ah, não dá pra dizer que é a melhor coisa do mundo, né? - Eu perguntei.
                 -Mas É a melhor coisa do mundo! - Meus amigos responderam, todos juntos.
                 Fiquei calado por um momento.
                 -Pra vocês é diferente. Vocês descobriram que eram tritões, vocês nasceram com isso! A família de vocês sabe disso tudo, até são como vocês. Eu não, me transformei em tritão por causa de um feitiço, macumba, sei lá o que era aquilo. - Eu falei, lembrando-me do dia em que tudo começara.
                 -Tá, a gente sabe, ter que esconder da sua mãe, do seu irmão, assim como todos nós temos que esconder das outras pessoas, mas esquecendo disso... E as coisas boas? - Samuel perguntou.
                 -Os poderes? - Norato perguntou, sentando na pedra ao meu lado.
                 -A água? - Raíque perguntou.
                 -Sedução das gatas? - Guto perguntou, escorregando pra perto de nós.
                 -Os poderes? - Samuel perguntou.
                 Todos olhavam pra mim, esperando resposta. Eu ri, olhando para a cara deles.
                  -Não, vocês são a melhor parte de tudo, meus chapas! -Eu falei, agarrando todos pelos pescoços com os braços.
                  -Nossa, cara, essa foi a coisa mais gay que cê já falou. - Guto falou, fazendo todos nós rirmos.
                 
                   Então, aquele momento de amizade acabou.
                   Ouvimos vários gritos vindos da praia. Todos mergulhamos e nadamos para frente da praia, onde algumas ondas nos erguiam para cima e depois para baixo. Vimos ao longe duas crianças se afogando. Mas a maré não estava alta, e as ondas não estavam tão fortes! O que será que podia ser.
                   -Temos que ajudar eles.Vamos! - Eu falei, e nós cinco mergulhamos, nadando até as crianças. Para o nosso espanto, vimos coisas parecidas com tentáculos agarrando os pés das crianças. Instintivamente, ergui a mão e soltei uma descarga elétrica naquela coisa. Seja lá o que foi, soltou um gemido alto e saiu nadando rapidamente.
                    -Guto e Samu, peguem as crianças! Eu, Raíque e Norato vamos atrás daquele negócio! - Eu falei, e Samuel e Guto pegaram as crianças. A menininha gritou alto e se debateu.
                     -Calminha, calma, calma... - Samuel pedia, tentando segurá-la. Guto também não tivera sucesso. O garoto que ele pegara gritava e esperneava, e ainda batia na cara dele com as pernas.
                      -Te acalma aê, moleque, tô tentando te salvar! - Ele resmungava, tentando segurá-lo.
                      -Tive uma ideia. - Samuel falou, e abriu a boca, começando a cantar com a sua voz melodiosa e grossa como de cantor de ópera. Guto entendeu o recado e fez o mesmo, e os dois pareciam dupla sertaneja... Não, muito melhor, incomparável. Quando as crianças finalmente se acalmaram e estavam quase dormindo, os dois bateram com força as barbatanas e as levaram para perto da praia.
                       -Eles podem se virar, vamo nessa. - Raíque falou, me puxando para perto.
                       -Aquela coisa tá escapando! - Norato falou.
                       Vimos que o que mais parecia ser uma enguia sem rosto foi nadando rapidamente como uma serpente pela areia submarina. Iamos o mais rápido que podiamos, meus cabelos quase que encostando nas minhas costas de tão furiosamente que a água os empurrava.
                        Quando aquela coisa sumiu da nossa visão, vimos uma luz de Acquatransporte. O mais estranho é que era amarela. Todos os Acquatransporte que eu já vira eram de um tom de azul claro brilhante, já esse era um amarelo quase dourado. E se fosse dar em algum lugar estranho?
                         -Isso é um Acquatransporte? - Norato perguntou.
                         -Nunca vi um amarelo! - Raíque falou.
                         -Nem eu! - Norato falou.
                         -Então vamos só atrair essa coisa pra cá. Vai ser mais fácil. - Eu sugeri.
                         -Seria mais fácil com o Samuel por aqui... - Norato resmungou.
                         Eu concordei, mas olhei para Raíque e o vi olhar para a areia abaixo de nós. Ele nadou silenciosamente, até que vi o que ele via. Alguma coisa movia-se debaixo da areia, como uma cobra no deserto. Ele ergueu o braço e começou a criar uma gosma amarelo com laranja, que foi esquentando a água onde estávamos.
                          -Peguei!! - Raíque exclamou, e jogou o líquido bem em cima do monstro. Norato e eu os parabenizamos, e Raíque fez um gesto levitando a mão, e o fluido ácido ergueu o monstro, que se debatia ferozmente, procurando escapar, mas a larva de Raíque era bem forte. Vimos com exatidão, e deu pra perceber que era um bicho bem esquisito, não possuia braços, nem olhos nem boca, era como uma grande minhoca preta.
                          Raíque estava pronto pra jogar aquela coisa dentro do Acquatransporte dourado, mas ouvimos um barulho parecido com um "PUM"  e um monte de óleo e tinta apareceu entre nós. Eu não enxergava a um palmo da minha mão, não sabia onde estavam meus amigos. De repente, senti algo agarrando minha cauda e me puxando.
                          -Ei...Ei, Pedro! Pedroo!! - Norato gritou, tentando me segurar, mas não teve tempo. Quando ergui meus braços pra me segurar, o monstro já havia me sugado pra dentro do Acquatransporte junto dele.
                     

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