terça-feira, 20 de novembro de 2012

Capítulo 34 -Um Tritão se Eleva- Parte Dois


       Nós cinco chegamos fazendo barulho, Guto acabou quebrando um frasco de perfume velho na minha pia. Pude ouvir minha mãe caminhando em direção à suíte do meu quarto.
       -Pô, Guto! - Eu reclamei, sussurrando.
       -Ah, vei, foi mal! Mas a gente saiu de uma fria! - Ele resmungou.
       Ouvimos a porta do meu quarto sendo aberta e os passos de minha mãe se aproximando. Fiquei apavorado. Eu e meus amigos estávamos no meu banheiro, transformados em tritões, e com Lucia nos meus braços. Se minha mãe visse aquilo iria no mínimo enlouquecer.
       -Rápido, alguém faz alguma coisa! - Eu sussurrei, apreensivo.
       -Deixa comigo. - Samuel falou, erguendo de leve a mão.
       -Pedro? É você? - Minha mãe perguntou, do lado de fora. Ela pôs a mão na maçaneta mas não conseguiu abrir, graças à pressão que o Samu fazia com seu poder telecinético. - Pedro! Tá tudo bem? - Minha mãe perguntou, mais insistente.
        -Ai, ai... - Guto gemeu. Norato levou o dedo à boca, mandando ele se calar.
        -Espera, como ele pode estar aqui, ele não levou a chave? Essa porta deve estar enperrada, ai, vou ter que chamar o técnico de novo! Meu Deus... Ricardoo! Não mexe nessa mesa! - Minha mãe gritou para meu irmãozinho, voltando para a sala. Nós cinco respiramos aliviados.
       -Não podemos ficar aqui, ela vai desconfiar! - Samuel falou.
       -É verdade. Por que não vamos pra sua casa? - Guto perguntou.
       -Minha avó e minha irmã são sereias também, se elas virem que trouxemos uma sirena, elas vão ficar furiosas! Não, melhor não. - Ele respondeu.
       -Então vamos pra minha. Minha mãe saiu com as amigas, acho que não volta tão cedo. - Raíque falou.
       Dizendo isso, nos demos as mãos e eu procurei um Acquatransporte na água da privada. Apesar de estar limpa, deu um pouco de nojo, mas tive que tocar na água e fomos transportados pra casa do Raíque.

       Como ele havia dito, não havia ninguém lá. Nós voltamos a ser humanos e levamos Lúcia para o sofá da sala, e eu a pus com cuidado sobre as almofadas. Toquei sua testa cautelosamente e vi que a temperatura dela estava normal. O que me dava mais pena eram aquelas feridas, que ainda pareciam arder pra caramba. Toquei nelas, e Lucia tremeu, gemendo de dor.
       -Espera, ela pode acordar. - Samuel falou, pondo a mão no meu ombro.
       -Tem algum remédio aqui, Raí? A gente pode passar nela, né? - Norato perguntou.
       -Olha, pra ferida tão funda assim acho que não tem não. Mas talvez eu possa ajudar. - Ele falou. Ergueu a mão e dela começou a sair uma gosma laranja, tão quente que foi esfumaçando.
        -Ei! O que vai fazer? - Eu perguntei.
        -Essa larva tem poderes curativos, acho que pode ajudar a sarar mais rápido. - Ele falou. - Mas acho que se fizermos isso juntos, vai curar a Lúcia.
          Ficamos em silêncio.
          -Vamos? -Eu perguntei para Samuel, Guto e Norato. Eles afirmaram com a cabeça. Guto pôs a mão no meu ombro, Norato segurou o ombro dele e Samuel no dele. Eu pus minha mão no ombro de Raíque, e fizemos uma espécie de corrente de energia. Raíque fez um gesto com a mão e fez o fluido quente levitar no ar e pousar delicadamente nas feridas de Lúcia, fazendo-a tremer de surpresa, mas depois relaxar e voltar a dormir.
           -Pronto. Acho que assim tá bom. - Raíque disse.
           -Agora, diz ae, o que a gente vai fazer com ela? Vamo ter que esconder ela no armário até que aquele bando de avestruzes voadoras venha aqui pegar ela de volta? - Guto perguntou, se levantando e cruzando os braços.
            -O Guto tá certo, Pedro. A gente não pode ficar com ela. - Norato falou.
            -Mas não podemos deixar ela no mar, as outras sirenas podem encontrá-la.- Samuel falou.
            -Vamos esperar ela acordar, assim vamos decidir. - Eu falei.
            -Por que aquelas sirenas estavam atacando ela? - Norato perguntou. - Elas não deviam ser... Sei lá, servidoras dela, já que ela é tipo a princesa das sirenas?
            -Vai ver que não comiam homem faz tempo e resolveram descontar nela. - Guto falou, desdenhoso.
            -Elas queriam me matar...
            Nós nos surpreendemos ao ouvir a voz fraca de Lúcia. Ela abriu os olhos lentamente e moveu os lábios com cuidado.
            -Lúcia! Tá tudo bem? - Eu perguntei, ajudando-a a se levantar.
            -Aquelas sirenas estavam me atacando porque... Não me aceitam como princesa. - Lucia falou, quase num sussurro. Meus amigos sentaram-se no chão, e todos ouviram atentos ao que ela dizia, como uma turminha de crianças ouvindo a professora contar histórias.
             -Mas por que? Você fez alguma coisa? - Raíque perguntou.
             -Não... Sim... Ahh... - Lucia suspirou.
             -Calma, você não precisa dizer nada agora. - Eu falei, abraçando-a com cuidado. Ela agora parecia tão frágil, e ainda tão cheirosa, tão linda, e tão irradiante. Mas eu me lembrei que aquele momento com ela passaria como um relâmpago.
              -Preciso, preciso sim... Por favor, vocês precisam me ajudar. - Ela falou.
              -Claro que sim, nós vamos. - Eu falei. Olhei para meus amigos. Todos olhavam para cima ou para o lado, ou um para o outro, parecendo não concordar com minha palavra. - Não vamos?
               -Sinceridade? Eu não quero me meter com a sua turma. -Guto falou.
               Olhei pra ele com raiva.
                -Tudo bem. Também não faria isso se fosse você. - Lúcia falou.
                -Oh, isso é uma ameaça, pombinha? - Guto perguntou, começando a se levantar, antes que Norato e Raíque o segurassem.
                 -Guto! - Eu exclamei.
                 -Não, não é. - Lúcia falou, cansada. - Quem me dera ser normal, como todas as outras meninas. Maldita hora que eu descobri que era... Isso. - Ela falou, apontando para si, apesar de estar em forma humana.
                 -O que posso fazer? - Eu perguntei.
                 -Preciso falar com minha mãe. - Lúcia respondeu, levantando-se do sofá com esforço. Eu fui atrás, segurando-a de leve.
                  -Espera, não acha que tá fraca demais pra isso? - Eu perguntei.
                  "Nossa, ele tá realmente lambendo o chão que ela pisa, né?" Guto perguntou, mentalmente. Eu sinceramente fiquei magoado com aquelas palavras. Virei-me o encarei com raiva. Ele baixou os olhos, e eu voltei-me para Lúcia.
                   -Obrigada por sua ajuda... Mas parece que seus amigos não estão muito dispostos a fazer o que você manda dessa vez. - Lúcia falou, a voz fraca.
                    -Não, eles só não querem arranjar confusão. Vamos, Lúcia, a gente pode...
                    -Meu nome não é mais esse. - Ela falou, com a voz cavernosa. Eu dei um passo pra trás, sentindo uma energia negativa emanando dela. - Meu nome é Texiope!
                     Dizendo isso, Lucia explodiu num turbilhão de luz e penas de ave, me fazendo cair de bunda no chão. Senti as mãos de meus amigos segurando meus ombros, enquanto nós assistiamos a transformação de Lúcia.
                   
                      Ela finalmente voltara a ser sirena, com suas enormes asas amareladas, uma espécie de corpete coberto de penas, garras afiadas no lugar dos pés, e olhos amarelados e pupilas finas como uma águia feroz.
                      -Obrigado pela atenção. Realmente. - Lúcia falou, a voz mais potente e focada. - Nós precisamos de energia amorosa e atenciosa de outros seres para nos alimentar. Por isso não posso mais ficar aqui. E não ouse me seguir! Essa luta é só minha.
                       Ela abriu as asas e voou pela janela da varanda, derrubando um vaso de cerâmica da mãe de Raíque na prateleira. Corri até a varanda enquanto Raíque reclamava que aquilo fora uma fortuna, e vi Lúcia voando ao longe, mais rápida que um jato voador.

                       -Pedro, vamos, ouve oque ela falou! Essa não é a nossa luta! - Norato falou, se aproximando de mim. Eu soltei-me dele.
                       -Rato, eu não posso ficar aqui parado enquanto a garota que eu gosto vai ser triturada! Ela não vai conseguir sozinha! E se aquelas sirenas resolverem criar tipo uma rebelião, e acabarem com a Lúcia e a mãe dela? - Eu perguntei. Ele me olhou calado, e depois suspirou.
                       -A gente só não quer que você se arrisque, veio...- Raíque falou.
                       -Ela não é pra você, cara. - Guto falou, incrívelmente sério.
                       -O Guto tem razão, Pedro. - Samuel falou.
                       Olhei pra eles, calado.
                       Tudo bem, nenhum deles gostava dela. Nenhum achava que ela fosse certa pra mim... E profundamente em mim, um sentimento de incerteza sempre surgia ao pensar nesse assunto. Mas eu não me convenci.
                       -Beleza. Se ninguém vai comigo, eu vou sozinho. - Eu disse, e fui pisando duro até a cozinha do Raíque.
                        -Pedro? O que vai fazer? - Samuel perguntou. Não os ouvi, e fui até a torneira. Liguei-a e observei a água sair.
                         -Espera, não tá pensando em ir atrás dela sozinho, né? - Guto perguntou.
                         -Não estou pensando. EU VOU. - Eu respondi, procurando o Acquatransporte na água. Finalmente o vi, caindo de leve na água.
                         -Tá ficando louco, cabeção?! Isso não vai dar certo! - Guto exclamou.
                         -Mano, pensa melhor, vai! - Raíque falou.
                         -Eu já me decidi. - Falei, pegando o Acquatransporte.
                         -Espera... Não!! - Ouvi as vozes dos meus quatro amigos me chamando, mas eu já estava sendo transportado até o oceano. Mais especificamente, no covil das sirenas.
                 
        

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