Maria ergueu a mão, e a água começou a flutuar, parecendo várias trombas d'água na superfície da piscina. Olhei para os lados. Era realmente incrivel que ninguém estivesse vendo aquilo.
"Ela deve ter enfeitiçado o pessoal do prédio." Guto pensou.
-Norato! Mantenha-se em sua posição! - Maria ordenou para o irmão. Ele se levantou e fitou a irmã. Depois voltou-se para nós.
"Não." Guto e eu pedimos mentalmente.
Norato pensou.
E pensou.
E nos virou a cara. Foi andando lentamente até sua irmã. Ela sorriu de satisfação e ergueu os braços para os céus.
-Oh, honorável Lua! Aquela que nos serve de fonte de poder e inspiração! Peço-lhe que nos ajude nesse trabalho hoj... - Maria não terminou o feitiço. Norato deu um empurrão forte em suas costas, fazendo-a cair com tudo na piscina. Mais que depressa, debrucei-me sobre a borda e ajudei Guto a sair.
Assobiei melódicamente e um redemoinho de vento envolveu nós dois e secou nossas caudas.
-Vocês estão bem?- Norato perguntou, ajudando-nos a nos erguer. Maria apareceu na água, os dentes afiados e as unhas finas e carregadas de veneno. Ela parecia mesmo uma serpente marinha.
-O que pensa que está fazendo, seu idiota??!!! - Ela esperneoou. Norato arfou.
-O que já deveria ter feito a muito tempo! Não deixar você tomar as decisões por mim!! - Ele gritou, totalmente decidido. Fiquei mesmo muito orgulhoso dele.
-Você vai se arrepender! - Maria exclamou. Norato pensou um pouco e depois jogou:
-Posso até me arrepender, mas sei que me arrependeria mil vezes mais se continuasse a agir como você!
-O que está acontecendo aqui? - Uma outra voz masculina soou. Olhamos para o lado e vimos um senhor de uns 30 ou 40 anos, magro, pele morena como a de Norato e cabelos pretos -azulados. Ele olhava àquela cena com total espanto.
-Pai! - Norato exclamou. Aquele era o pai dele? Será que...
-Ah, papai. Chegou bem na hora. - Maria disse. Ela fez um gesto e um braço de água agarrou seu pai. Ele foi jogado na piscina, onde se transformou em um tritão de cauda de serpente-marinha prateada. Ele ficou se contorcendo, mas Maria fez o braço de água enrolar-se ao redor dele.
-É isso. Volte para o meu lado, e papai sai intacto. - Ela ameaçou. Fiquei chocado. Como ela podia ser tão cruel?!
-Você não faria... - Norato disse.
-Sabe que eu faria.
-Pô, seu próprio pai! - Guto exclamou.
-Escolha, Norato! Eles ou o papai. - Ela exclamou.
Aquele era um verdadeiro momento de tensão. Eu não saberia o que fazer no lugar dele. Sinceramente. Ficar com os amigos ou com a familia? Mas... Maria não podia fazer isso com ele.
-Você é louca. - Eu disse. Ela sorriu e gargalhou alto, fazendo minha espinha gelar.
Foi ai que ouvimos algo estranho. Um barulho de água fervendo nos chamou a atenção. O braço de água de Maria estava virando vapor, não permitindo que vissemos nada. Ao se dissipar, vi o pai do Norato ao nosso lado. Ele olhou para sua filha enraivecido.
-Você já passou dos limites, mocinha. Vamos mandá-la de volta pra casa.
-Não! Não!! Tudo menos isso!!! - Ela esperneeou.
-Garotos! Vamos logo com isso!
Nós erguemos nossas mãos para o alto e repetimos as palavras de Maria em honra à Lua. Então, abaixamos os braços e falamos juntos:
-Eu lhe proíbo de cruzar a linha dos dois mundos. Eu lhe proíbo de cruzar a linha dos dois mundos. Eu lhe proíbo de ....
Fomos repetindo isso, até que a piscina começou a brilhar, emitindo uma luz azulada e majestosa. Maria parecia apavorada, e com muita raiva. Quase tive pena dela. Eu disse quase.
-Nããããããooooooo......
E com isso, Maria foi embora.
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Era sábado, onze da manhã, o sol à pino. Tinham algumas pessoas na praia, mas não ligamos. Norato parecia bem recuperado do que acontecera. Aliás, ele parecia outra pessoa. Sorridente e feliz. Nós três pulamos na água, sem se importar com o mundo seco e ensolarado. Nosso mundo aquático colorido, azul e majestoso era melhor do que tudo. Agora eramos nós três.
Mas... Eu ainda sentia que algo faltava. Algo ou alguém estava por vir.
E minha vida de tritão fica bem mais suportável.
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